O que é o linfoma de Hodgkin, câncer que causou a morte da ex-ginasta Isabelle Marciniak
Médica Camila Marca fala sobre importância do diagnóstico precoce de linfoma A ex-ginasta Isabelle Marciniak morreu aos 18 anos em decorrência de um linfoma...
Médica Camila Marca fala sobre importância do diagnóstico precoce de linfoma A ex-ginasta Isabelle Marciniak morreu aos 18 anos em decorrência de um linfoma de Hodgkin, câncer que se origina no sistema linfático, responsável pela defesa do organismo. A morte foi comunicada nesta semana pela Federação Paranaense de Ginástica. O linfoma de Hodgkin é um tipo de câncer que afeta células do sistema imunológico e pode começar de forma pouco perceptível, com sinais como ínguas indolores. Como o sistema linfático está distribuído por todo o corpo, a doença pode evoluir sem sintomas claros nas fases iniciais, o que dificulta o reconhecimento precoce. Entender como esse câncer se desenvolve ajuda a explicar por que o diagnóstico nem sempre é imediato e quais são as principais opções de tratamento. Isabelle Marciniak Reprodução/Federação Paranaense de Ginástica Um câncer que começa no sistema de defesa do corpo Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), nesse tipo de câncer, as células do sistema linfático —responsáveis pela defesa do organismo— passam a se multiplicar de forma desordenada. O processo atinge principalmente os linfonodos, estruturas conhecidas como gânglios, mas pode envolver também órgãos como o baço e o timo, todos interligados por uma rede de vasos que percorre o corpo. Uma das principais diferenças do linfoma de Hodgkin em relação a outros linfomas é a presença, nos exames microscópicos, das chamadas células de Reed-Sternberg. Essas células são linfócitos alterados que perderam o controle do crescimento e passam a se multiplicar de forma anormal. A identificação dessas células funciona como uma “assinatura” da doença. Quando elas aparecem na biópsia do linfonodo, os médicos conseguem confirmar que se trata de linfoma de Hodgkin e não de outro tipo de câncer do sistema linfático, o que é decisivo para definir o tratamento mais adequado. “Ela não é a causa isolada da doença, mas um sinal característico que ajuda a identificá-la ao microscópio”, explica Stephen Stefani, oncologista da Oncoclínicas e da Américas Health Foundation. Segundo ele, o tumor é formado majoritariamente por outras células do sistema imunológico que passam a se comportar de forma desordenada. Quem costuma ser mais afetado O linfoma de Hodgkin pode surgir em qualquer idade, mas apresenta dois picos mais frequentes: adultos jovens, entre 20 e 35 anos. pessoas acima dos 60 anos. Não há um único fator de risco definido. Em parte dos casos, há associação com alterações do sistema imunológico, histórico familiar ou infecções virais prévias, como o vírus Epstein-Barr. Em muitos pacientes, porém, não é possível identificar um fator desencadeante claro. Ínguas indolores estão entre os primeiros sinais O sintoma mais frequente do linfoma de Hodgkin é o surgimento de linfonodos aumentados, conhecidos como ínguas. Em geral, esses nódulos são endurecidos, fixos e indolores, principalmente no início, o que faz com que muitos pacientes demorem a procurar atendimento médico. Eles aparecem com mais frequência no pescoço, nas axilas e na virilha. Outros sintomas podem surgir ao longo da evolução da doença, como febre persistente, perda de peso sem causa aparente, suor noturno e cansaço intenso. Há ainda manifestações menos comuns, como prurido —uma coceira persistente, sem lesões aparentes na pele. “Não é o sintoma mais frequente, mas é bastante característico e pode chamar atenção quando aparece”, diz Stefani. Como é feito o diagnóstico O diagnóstico do linfoma de Hodgkin é confirmado por biópsia do linfonodo suspeito. O procedimento consiste na retirada de parte ou de todo o gânglio para análise em laboratório. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a doença é classificada em dois grandes grupos: Linfoma de Hodgkin clássico, responsável pela maioria dos casos, é caracterizado pela presença das células de Reed-Sternberg e tende a ter um comportamento mais disseminado no sistema linfático. É também a forma mais estudada e para a qual existem protocolos bem definidos de tratamento, geralmente baseados em quimioterapia, com ou sem radioterapia. Linfoma de Hodgkin de predomínio linfocitário nodular, mais raro, presente em cerca de 5% dos pacientes. Nesse subtipo, as células tumorais têm características diferentes e a doença costuma evoluir de forma mais lenta, muitas vezes restrita a poucos linfonodos. Por isso, em situações selecionadas, a abordagem pode ser distinta, com tratamentos menos intensivos ou estratégias mais individualizadas. Após a confirmação, exames de imagem ajudam a definir a extensão da doença, etapa conhecida como estadiamento, essencial para orientar o tratamento. Como o tratamento mudou a história da doença O tratamento do linfoma de Hodgkin é considerado um dos marcos da oncologia moderna. Até as décadas de 1960 e 1970, a doença era vista como incurável. Esse cenário começou a mudar com o desenvolvimento da poliquimioterapia, combinação de diferentes medicamentos quimioterápicos. “Foi provavelmente uma das primeiras doenças em que se mostrou que a combinação de drogas podia mudar completamente o desfecho”, afirma Stefani. Com essa estratégia, os resultados melhoraram de forma consistente e sustentada ao longo do tempo. Atualmente, a base do tratamento continua sendo a quimioterapia, isolada ou associada à radioterapia. Em situações específicas, podem ser usados anticorpos monoclonais, quimioterapia em altas doses com transplante de medula óssea e, mais recentemente, imunoterapia. Segundo o oncologista, os avanços mais recentes não foram tão rápidos quanto em outros tipos de câncer justamente porque os resultados já eram muito bons. “Quando uma doença já responde tão bem ao tratamento, os ganhos passam a ser mais incrementais”, explica. Quando a doença não responde adequadamente ao tratamento inicial ou volta após um período de remissão, outras estratégias podem ser indicadas. Entre elas estão o uso de anticorpos monoclonais, a quimioterapia em altas doses seguida de transplante de medula óssea e, em situações mais específicas, terapias celulares mais recentes. É nesse grupo que entra a terapia CAR-T cell, na qual células de defesa do próprio paciente são modificadas em laboratório para reconhecer e atacar o câncer. No linfoma de Hodgkin, a CAR-T não é tratamento de primeira linha e costuma ser considerada apenas em casos refratários ou recidivados, geralmente em centros especializados e após avaliação criteriosa. Durante o tratamento, podem ocorrer efeitos colaterais como queda de cabelo, náuseas, fadiga e maior risco de infecções. Esses efeitos, em geral, são temporários e monitorados de perto pela equipe médica. Tem cura? Sim. O linfoma de Hodgkin é considerado um dos cânceres com maiores taxas de cura dentro da oncologia, sobretudo quando diagnosticado precocemente. Segundo o Hospital Oswaldo Cruz, grande parte dos pacientes alcança remissão completa com o tratamento inicial. Após o fim da terapia, o acompanhamento médico continua sendo fundamental para monitorar recidivas e possíveis efeitos tardios. Hodgkin e não-Hodgkin não são a mesma doença Apesar de apresentarem sintomas semelhantes, os linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin têm comportamentos clínicos diferentes. No linfoma de Hodgkin, a doença costuma se espalhar de forma mais previsível, avançando de um grupo de linfonodos para outro, o que facilita o planejamento do tratamento e o acompanhamento da resposta. Já os linfomas não-Hodgkin formam um grupo mais amplo e heterogêneo de doenças. Eles podem evoluir de maneira mais agressiva ou mais lenta, atingir órgãos fora do sistema linfático com maior frequência e exigir esquemas terapêuticos bastante variados, dependendo do subtipo. O tipo de célula identificado na biópsia define não apenas o nome da doença, mas também como ela tende a evoluir, quais tratamentos são indicados e qual é a expectativa de resposta ao tratamento. Por isso, a diferenciação entre Hodgkin e não-Hodgkin é um passo central no cuidado do paciente.